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Postado em: 23/02/2015 - 12h59 | Redação

Para Haddad, ocupação dos espaços públicos da cidade é prioridade

Em entrevista ao site Brasil 247, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad falou sobre as mudanças pelas quais a cidade passou, principalmente em relação aos espaços públicos. “Tudo o que é espaço público está sendo ocupado na cidade. Pelo público. Tem um conceito que perpassa toda a administração: é a reapropriação do público pela cidadania”, afirma.

Haddad também comentou sobre a rivalidade política atual e como isso prejudica o sistema democrático. “Uma democracia que é só divergência cria as condições da sua destruição. É o que estamos vivendo hoje. Um Fla-Flu radical solapa as bases da democracia. Você precisa ser tem um espaço do entendimento, nem que seja apenas no plano institucional. E nem esse está sendo respeitado”, conclui.

Leia a entrevista na íntegra abaixo:

Depois de enfrentar resistência para implantar faixas exclusivas de ônibus, o sr. se vê diante da oposição às ciclofaixas. Qual é sua posição a respeito?

As ciclofaixas vivem exatamente o mesmo tipo de campanha que as faixas de ônibus viveram no início da gestão. É um período de acomodação. Daqui a pouco, as pessoas percebem os benefícios e isso se resolve. Hoje, ninguém mais fala das faixas de ônibus e foram 360 quilômetros. Isso, sim, com um impacto gigantesco na cidade.

Qual é o seu balanço sobre as faixas de ônibus?

Houve um aumento de 46% na velocidade dos ônibus. O usuário ganhou 38 minutos por dia. Eu acredito que não haja precedente histórico nisso: devolver, em média, 38 minutos/dia ao trabalhador. As ciclovias vivem o mesmo momento, mas com uma incompreensão maior, porque essa mudança é mais transformadora.

Como assim?

A ciclovia dialoga com outras dimensões da vida. Dialoga com a agenda da saúde, do esporte, do meio ambiente – e não apenas com a questão da mobilidade. Ela atinge vários setores.

Mas muitos criticam a pouca utilização e também o custo de implantação.

Não haverá plena utilização enquanto toda a malha não estiver instalada. Há quem diga que só será plenamente utilizada quando atingir mil quilômetros de malha. Eram 60 quilômetros quando eu assumi e hoje são 230. Vamos chegar a 500 até o fim do meu mandato.

Há quem diga que a topografia de São Paulo, com subidas e descidas, não é adequada para o uso das bicicletas, assim como o clima.

Várias cidades têm subida e descida. É o caso, por exemplo, de São Francisco, que tem uma das maiores malhas cicloviárias do mundo. Eu consultei vários especialistas com a seguinte questão: ‘o que vem primeiro, o ciclista ou a ciclovia?’. Todos são unânimes em dizer que a ciclovia vem primeiro, com exceção do cicloativista que é uma figura à parte nesse processo. O cicloativista é o pioneiro que toma risco, em defesa da causa.

Muitos estavam morrendo…

Pois é. Se você for a Buenos Aires, o prefeito Macri tem excelentes níveis de aprovação e as ciclovias são tão ou menos utilizadas do que em São Paulo. Estivemos lá recentemente e ele nos disse que as pessoas querem ter à disposição a ciclovia. É um serviço a mais.

Mas pegou na classe média a acusação feita por Veja São Paulo sobre o custo de R$ 650 mil por quilômetro.

Bom, mas é uma acusação falsa, com falhas aritméticas. Dei várias entrevistas demonstrando isso. Misturavam outras obras, como o aterramento de fios na Paulista, a reforma semafórica na Faria Lima, como se isso fosse o custo da ciclofaixa.

Má-fé?

Acredito que não, mas talvez essa ânsia de escandalizar, de querer dizer que ninguém presta.

Essa política sofre um cerco midiático?

Pode até ser, mas a pesquisa mostra que 66% dos paulistanos aprovam a mudança. Podem até tentar, mas não vão conseguir mudar essa percepção. As pessoas querem esse serviço e querem se conectar com a modernidade. Além disso, mandamos todas as planilhas para os tribunais demonstrando que o custo é de R$ 185 mil por quilômetro e não de R$ 650 mil.

Mas a classe média não se sente mais espremida, ao se ver entre a ciclofaixa e a faixa exclusiva de ônibus?

A ciclofaixa não tirou nenhuma faixa de rolamento do carro. E o que muita gente não sabe é que, por incrível que pareça, o trânsito piora a taxas decrescentes desde que eu assumi. Vou te dar um dado técnico da CET. De 2011 para 2012, último ano da administração anterior, o trânsito piorou 14%. De 2012 para 2013, primeiro ano das faixas exclusivas, piorou 7%. De 2013 para 2014, piorou 2%.

Não tem como melhorar?

Olha, nós estamos fazendo muita obra viária em São Paulo. Mas muitas pessoas não veem porque essas obras estão acontecendo na periferia. Agora, túnel e viaduto, eu tô fora. Aí é uma questão de concepção de cidade. Está provado cientificamente que quanto mais viário, mais trânsito. Isso é cientista falando, não é o prefeito. Veja o que o José Serra fez na Marginal Tietê. Destruiu o pouco verde que havia, fez duas faixas de rolamento para carro e o trânsito é pior do que era antes disso. Como é contraintuitivo, as pessoas não acreditam. Mas também era contraintuitivo que a Terra girava em torno do Sol.

Do ponto de vista quantitativo, os investimentos estão maiores ou menores do que nas gestões anteriores?

Olha, a demagogia tirou R$ 2,5 bilhões dos cofres de São Paulo. Primeiro, com o congelamento das tarifas de ônibus. Depois, com a suspensão da revisão do IPTU. Apesar disso, investimos no ano passado R$ 4,4 bilhões, o que foi um recorde.

De onde vieram os recursos?

Combate à corrupção e redução dos gastos de custeio. Só na recuperação de ativos desviados pela corrupção, vamos chegar a R$ 300 milhões. Isso, numa cidade, é inédito. Só os bancos que foram usados nesse processo já devolveram mais de R$ 100 milhões. Esse dinheiro será carimbado para as creches.

Um setor em que o ritmo de investimentos segue abaixo do prometido.

Nós perdemos R$ 2,5 bilhões em arrecadação, mas estamos correndo atrás disso.

O sr. citou vários pontos, mas sua popularidade segue baixa. Há uma incompreensão?

É preciso olhar a série histórica. São Paulo é uma montanha russa. Um dia você tem 40%, no outro 20%, depois 30% e assim por diante. Não é só a complexidade dos problemas. É a única cidade do mundo em que todos os meios de comunicação falam mal da cidade simultaneamente. O Bom Dia Rio, Bom Dia Bahia e outros do tipo não têm 10% do mau humor do Bom Dia São Paulo.

É hora de valorizar o orgulho de ser paulistano?

Eu não só tenho orgulho de ser paulistano, como tenho certeza de que é a melhor cidade para se viver no Brasil. Outro dia fizeram uma pesquisa sobre trânsito. São Paulo ficou em sexto lugar. Rio, Salvador, Recife, Fortaleza e Belo Horizonte são piores.

Um sucesso recente foi o Carnaval, especialmente com os blocos de rua. Como isso aconteceu?

Nossa gestão mudou o paradigma. Tudo o que é espaço público está sendo ocupado na cidade. Pelo público. Tem um conceito que perpassa toda a administração: é a reapropriação do público pela cidadania. A praça wi-fi é isso, a ciclofaixa é isso, a faixa exclusiva de ônibus é isso, a comida de rua é isso, o carnaval de rua é isso. Agora, dois anos não mudam o que se fez nos últimos 50 anos. Mas minha aposta é que as pessoas compreenderão que uma nova cidade está sendo forjada.

Mas hoje sua reeleição parece distante.

Em alguns locais, existe um padrão. No Rio Grande do Sul, por exemplo, ninguém se reelege. Aqui, em São Paulo, há também um padrão. A direita fez sucessores e a esquerda, não. O Maluf elegeu o Pitta e o Serra fez o Kassab. Marta e Erundina não se reelegeram.

O sr. está conformado ou espera mudar esse padrão?

Se o padrão vai mudar, 2016 é que vai dizer. 2016 vai dizer se São Paulo quer se encontrar com a modernidade ou não. É isso, a meu ver, o que está em jogo. Uma concepção de cidade como espaço público ou como espaço privado. Agora, eu nunca me prendi a pesquisas. Se levasse isso em consideração, não teria vencido em 2012. Até porque eu nunca cheguei a aparecer nem em segundo lugar.

O fato de ser petista, a seu ver, afeta sua popularidade?

Sim, o PT hoje está sob ataque. Mas a conduta de uma pessoa, ou de um dirigente, não pode ser estendida a um partido. É muito perigoso criminalizar a política, ou assumir a negação da política. E tem muitas outras coisas, que não têm nada a ver com o município, como a crise de segurança e a crise da água, que também afetam o bom ou o mau humor do paulistano. Você acha que o cidadão tem os compartimentos federativos na cabeça? Quando eu vou à periferia, a primeira coisa que me questionam é sobre o policiamento. O que não é da nossa esfera.

Como o sr. vê o ambiente político de hoje no país?

Com muita preocupação. A democracia não é apenas o espaço da divergência. É também o espaço da construção de consensos, entre forças antagônicas. Uma democracia que é só consenso é utopia, jamais vai existir. Uma democracia que é só divergência cria as condições da sua destruição. É o que estamos vivendo hoje. Um Fla-Flu radical solapa as bases da democracia. Você precisa ser tem um espaço do entendimento, nem que seja apenas no plano institucional. E nem esse está sendo respeitado.

Em São Paulo, o clima de radicalização política parece mais acentuado. Isso já o atingiu?

Eu ando a pé pelo meu bairro e nunca fui hostilizado, nem ofendido na rua. Há quem aborde, cobre, peça explicações. Mas uma ofensa jamais ocorreu.

Mas o PT vem sendo muito associado à corrupção.

Criminalizar agremiações ou coletivos é muito errado. Isso vale para igreja, time de futebol, partido, o que for. Se há problemas, eles têm de ser combatidos. Você não pode rifar uma instituição porque um ou outro indivíduo cometeu erros. Você depura e retoma os princípios originais. Não creio que possa ser positivo para a democracia brasileira rifar o PT.

O sr. vê esse desejo de depuração?

Sim, mas com as cautelas devidas. É preciso esperar as pessoas serem julgadas.

O sr. se orgulha de ser petista?

Eu não me vejo em outro partido porque entendo que o militante médio do PT está comprometido com princípios nos quais eu acredito, sobretudo o combate à desigualdade e à intolerância. As bandeiras mais avançadas ainda são empunhadas pelo miitante do PT.

Numa entrevista recente, o sr. disse que não aguenta mais a corrupção. Qual é a solução? O fim do financiamento privado?

Eu acredito que o financiamento empresarial de campanha é um mal que deve desaparecer. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já decidiu isso e só não promulga isso porque houve um pedido de vista. O empresário financiar a política é uma perversa Lei Rouanet da política. Assim como os departamentos de marketing das empresas passaram a definir o que merece ser apoiado, no limite, os empresários definirão as políticas públicas. Está errado isso.

Como seria sua reforma política?

Acho que com pequenos reparos é possível fazer uma boa reforma. Cito dois exemplos: o fim do financiamento privado e a proibição das coligações proporcionais. Resolvendo esses dois pontos, resolvemos 80% dos problemas da democracia representativa do País.

Como o sr. vê o Brasil pós-Lava Jato? Veremos a ‘berlusconização’ do Brasil, com salvadores da pátria, ou uma depuração mais madura, com uma reforma política?

Hoje, a grande mídia favorece esse movimento de berlusconização. Eu tenho receio de um processo parecido no Brasil. Hoje, a coisa mais difícil é convencer alguém a ficar na máquina pública. A pessoa bem-sucedida abre mão de recursos. Ela vai se privar da família, do tempo livre, em troca de fazer o bem, se a pessoa for bem intencionada. Isso é reconhecido por alguém? Não vejo nenhum movimento no sentido de fazer a cidadania discernir sobre isso. Quando você criminaliza coletivos, ao dizer que ninguém de determinado partido presta, é um equívoco muito grande.

O sr. é favorável à volta do ex-presidente Lula, em 2018?

Na eleição passada, eu apostei com amigos que o Lula não seria candidato. Disse que ele respeitaria o espaço da presidente Dilma Rousseff. E agora? Lula será o candidato em 2018? Pode ser, mas não é certo que será. Se ele pudesse desenhar o futuro, talvez não quisesse voltar à presidência. Não custa lembrar que o Eduardo Campos vinha sendo preparado para isso. Todo mundo sabe disso e todo mundo se esquece disso. Acho que ele só poderá se recolocar se sentir que há ameaças às conquistas da população mais pobre. Se ele o fizer, terá o entusiasmo dos petistas e de muitos não-petistas.

E em São Paulo? Haverá coesão interna, com a ex-prefeita Marta Suplicy o apoiando?

Acredito que o PT inteiro deve trabalhar pela permanência da Marta. É um grande quadro, foi quem eu comecei na vida pública e fez uma administração reconhecida pela população. O meu mandato, em grande medida, é de continuidade ao que ela fez.